segunda-feira, 19 de julho de 2021

Entrevista com o professor Joaquim Osório Ribas, autor do livro História do município de General Carneiro

No dia 02 de junho de 2021 recebemos em uma de nossas aulas do Programa Mais Aprendizagem no Colégio Estadual Pedro Araújo Neto o professor Joaquim Osório Ribas, autor do livro História do município de General Carneiro, pesquisador do tropeirismo e de história regional. Na ocasião ele realizou um bate papo via Google Meet com dezenas de estudantes e algumas pessoas da comunidade escolar sobre o papel do tropeirismo na formação e desenvolvimento de nossa cidade. Ao final da aula ele ficou à disposição para responder por escrito perguntas que não puderam ser feitas ou respondidas em razão do pouco tempo disponível.

Cartaz de divulgação da aula com o entrevistado 

estudante Bruna Alexandra Ânes trouxe várias indagações que gostaria que fossem apresentadas ao professor Joaquim. Assim, eu, ela e o estudante Guilherme Machado, organizamos essas indagações que viraram vinte e três perguntas que foram encaminhadas ao professor Joaquim e respondidas uma à uma via mensagens de WhatsApp. Apresentamos abaixo a entrevista.

Boa leitura! Fiquem à vontade para fazer observações, críticas ou tirarem dúvidas. Para isso usem o campo "comentários" abaixo da publicação.

Pergunta: O senhor não nasceu em General Carneiro, não é? Como então foi esse contato inicial com nossa cidade e o que despertou o interesse em escrever o livro História do município de General Carneiro?

Professor Joaquim Osório Ribas: Não nasci em General Carneiro, mas nasci ao lado de Iratim de Palmas,  na Fazenda Serro do Inglês, confrontando  com a Fazenda São Bento, onde se deu o começo da ocupação do atual Município de General Carneiro.  Portanto, desde minha infância convivi com o povo do Iratim, participando da festa  de  São Sebastião.  Além disso morei na cidade de General Carneiro,  quando foi gerente do Banco do Brasil. Não foram só esses os vínculos com essa comunidade. Durante toda minha vida transitei pela antiga  estratégica de Palmas e atualmente pela BR 153. O carinho e a generosidade do povo desse Município sempre marcaram meus sentimentos,  onde tenho grandes amizades. 

O antigo caminho das tropas foi assinalado por tantos acontecimentos que ficaram gravados em minha história e isso facilitou o registro de fatos que compõem a história do Município. Foi relevante a colaboração de um dos mais ilustres moradores do Município, o Dr. Josué Guimarães (Zuzu). Homem apaixonado por essa terra, onde foi o Prefeito instalador do Município desmembrado de Palmas. Pesquisei a historia e participei de seminários sobre o tropeirismo  e descobri que General Carneiro é testemunha valiosa para esse estudo de nossa cultura. O território do Município, de Norte a Sul, é atravessado pelo antigo Caminho das Missões, por onde durante mais de um século,  passaram as tropas vindas do Sul rumo aos Campos Gerais e à Feira de Sorocaba. No retorno os tropeiros levaram daqui para os confins da nação brasileira a cultura dos eslavos  que se estabeleceram nesta terra.  Nessa epopeia gloriosa de um ciclo que durou mais de um século, este Município, através dos tropeiros, levou para o Sul uma arquitetura de madeira em substituição às casas de taipa dos antigos paulistas e.gaúchos  O uso da carrocinha puxada por cavalos em substituição ao moroso carro de bois. Uma culinária mais rica em nutrientes além dos costumes sociais e religiosos. Falamos desses aspectos culturais porque os campos do Sul eram ocupados por uma cultura latifundiária e escravocrata. General Carneiro abrigou a Colônia de imigrantes mais avançada no Sul do Paraná. Estes os fundamentos que  nos  levaram a escrever um modesto livro.

O livro da história da cidade foi publicado em 2008. Quanto tempo que o senhor levou pesquisando e como foi a elaboração e publicação do livro?

A pesquisa demorou poucos meses por que muita coisa eu conhecia de minha vivência na região.  Recorri às pessoas mais idosas para confirmar fatos. A Prefeitura na gestão  do Professor Vilmar (Simm, atual diretor do Cepan. *Parêntese meu)  na Secretaria da Educação e do Prefeito Juarez Ferreira Martins financiou a  edição da obra. O lançamento ocorreu numa memorável solenidade promovida pela Academia de Letras do Vale do Iguaçu com a presença das Academias de Letras de Palmas, Guarapuava, Sul Brasileira de Letras, do folclorista Vicente Teles,  do Grupo Folclórico Ucraniano, do Presidente do Museu do Avião de Curitiba e grande número de pessoas de General Carneiro é região.


Capa do livro publicado pela editora Kaygangue no ano de 2008

Onde o senhor pesquisou sobre a história de General Carneiro e quais as fontes utilizadas na pesquisa?

A resposta está praticamente contida na da pergunta anterior. Acrescentaria que pesquisei em General Carneiro e União da Vitória. 

Quando seus familiares vieram morar na região ainda era forte a presença indígena, não é? Como foi essa relação, esse contato com os povos indígenas que aqui viviam? Como os indígenas foram desaparecendo daqui?

Sim. Quando meus Bisavós e avós vieram morar em Palmas a região era ocupada por inúmeras tribos de índios. A convivência gerou muitos conflitos e enorme derramamento de sangue..A resistência dos nativos foi muito forte contra a presença dos brancos. No Município de General Carneiro ocorreu a tragédia da catequese descrita no livro, quando uma tribo inteira foi dizimada pelos fazendeiros. Algumas fazendas dispunham de pessoal armado e cães farejadores para caçar "Bugres". Os  tropeiros sofreram constantes ataques ao longo do caminho das tropas. As fazendas eram verdadeiras Fortaleza para se defenderem dos ataques dos  índios.  Até mesmo os militares comandados pelo Cel. Belarmino na construção da estratégia sofreram sangrento ataque revidado violentamente . Portanto a relação entre brancos e índios não foi tranquila.

Vale ressaltar que na atualidade o termo "bugre" que era usado pelos fazendeiros não é mais adequado aos povos originários/ indígenas. Assim como outros termos utilizados em diferentes épocas (negros da terra, gentios ou silvícolas) também não são mais aceitos pelos nossos povos originários ou pelos estudiosos.    

Na aula que nos deu sobre o Tropeirismo, o senhor relatou que alguns caminhos eram evitados pelos tropeiros em razão da presença indígena. O que esses índios faziam para quem por ali passasse?

O sertão da região era ocupado por diversas tribos de índios. Algumas ferozes por isso era necessário evitar o confronto. 

Quais as tropas que passavam por General Carneiro? O senhor tem informações sobre qual foi a última tropa ou em que ano que passou a última tropa aqui por General Carneiro?

Por General Carneiro passavam tropas de mulas vindas das Missões do Rio Grande do Sul e da Argentina com destino  à feira de Sorocaba. Tropas de gado de corte com destino aos Campos Gerais e Curitiba. Tropas de porcos com destino aos frigoríficos de Ponta Grossa e Jaguariaíva. Tropas de cargueiros que se abasteciam de sal e mercadorias para os Campos de Palmas. Além de tropa de  perus, mais raras, que abasteciam o mercado de União da Vitória.  A última tropa de mulas que atravessou o perímetro urbano de General Carneiro foi por volta de 1950. As tropas de gado de corte continuaram passando até 1960 para abastecer o mercado de União da Vitória.

Nas tropas de porcos que passavam por aqui como elas eram conduzidas? Como faziam para dormir? O que acontecia se ocorresse um estouro de tropas de porcos?

As tropas de porcos eram conduzidas por peões a pé e a cavalo, com cargueiros de milho para alimentação dos animais. Em lugar do madrinheiro das outras tropas seguia na frente um peão chamando e entretendo os porcos com pingados de milho.

O senhor tem notícia de algum estouro de tropa aqui em General Carneiro? Que providências eram tomadas em caso de a tropa sair do controle da equipe tropeira?

Um estouro de tropa de gado ocorreu na Fazenda Santa Rita. Violentíssimo quando cerca de 700 bois estouraram  a cerca do curral durante a  noite e num alvoroço terrível os animais se precipitaram numa serra ladeira abaixo, ocasionando a morte de mais de uma centena de bois.

Sendo General Carneiro rota de tropas, havia algum serviço especializado para atender os tropeiros ou as tropas?

Sim. No território do atual Município existiam cerca de quatro hotéis com porteiros para abrigar as tropas e os tropeiros. Existiam diversos estabelecimentos comerciais junto aos pousos de tropas. Além disso existiam dois cortumes de couro e profissionais especializados  na produção de artigos de montaria e indumentária usada pelos tropeiros.

Quais eram as fazendas que davam pouso para os tropeiros e as tropas em General Carneiro?

Se formos citar Fazendas que ofereciam pouso seriam a Santa Rita, Horizonte,  S. Sebastião do Iratim , Chico Pampa e as localidades de Passo da Ilha, Pouso Bonito, Passo da Galinha, Marco Cinco(Tatu) e Jangada.

O senhor sabe quando foi fundando o primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas) em General Carneiro e quem foram os fundadores?

Não tenho conhecimento da fundação do primeiro GTG. Ressalto, porém que os CTGs constituem hoje o maior movimento cultural do mundo e perpetuam a história do tropeirismo.

Havia alguma coisa que era produzida em General Carneiro para atender diretamente as necessidades dos tropeiros? Qual a importância econômica das passagens de tropas por aqui?

A passagem e pouso das tropas deu origem à atual cidade de General Carneiro. A economia local girava em torno das tropas. Eram hotéis,  potreiros de aluguel,  ferrarias , celarias, casas de diversão,  festas religiosas, estabelecimentos comerciais, etc.

O senhor que trabalhou no Banco do Brasil por um bom tempo deve ter uma noção sobre a economia da cidade em diferentes épocas. Qual foi a época de maior prosperidade econômica de nosso município?

A fase da extração da Madeira da floresta nativa e da erva mate teve movimentação financeira, porém com intensa concentração da propriedade. Socialmente essa riqueza foi negativa.

Quanto à atividade madeireira, quando se iniciou esse ramo econômico aqui? Qual foi a primeira serraria em General Carneiro? Qual foi a maior em produção e número de funcionários?

A derrubada da floresta  nativa com a instalação de grandes madeireiras teve início na década de 1940. A maior delas deve ter sido as Serrarias Reunidas Irmãos  Fernandes, na Fazenda São Bento. Antes instalou-se uma pequena serraria no Pouso Bonito de propriedade da família Donner.

Na sua opinião, há um potencial agrícola em General Carneiro? O que precisava ser feito em nosso município para desenvolver as atividades rurais e manter a população no campo?

A agricultura do Município está se desenvolvendo graças a desconcentração da propriedade. A elevação dos preços das comodities está atraindo investimentos na agropecuária. Quanto à fixação do homem no campo não sei se é desejável porque contraria o movimento da humanidade rumo à concentração urbana.

Como foi escolhida a sede do nosso município? Quem teve a ideia de instalar o centro “quase dentro” do rio Torino?

Pois é,  havia duas sedes distritais Iratim e Jangada do Sul e o Município teve como sede o Passo da Galinha. Certamente foram disputas de natureza política. Os políticos do Passo da Galinha tiveram mais força.

É destacada por muitos o pioneirismo dos imigrantes ucranianos e poloneses na formação de General Carneiro. No entanto, sabemos que há aqui grande presença de descendentes de indígenas e negros. Como o senhor definiria a composição do povo carneirense?

A população nativa ocupou a região do Iratim, mais ao Sul do Município. Ali estavam as campinas com pastagens para criação de gado que foi a primeira atividade econômica.  A Colônia Agrícola de General Carneiro em Jangada do Sul  foi criada para assentar os imigrantes eslavos. 

Em que ano foi aberta a BR-153 e qual a importância dela para General Carneiro?

A BR 153 foi aberta em 1974 sobre o traçado da antiga estratégica de Palmas que era o caminho das tropas.  Foi decisiva para o progresso não só do Município de General Carneiro mas da região Sul do Paraná.

Sobre o avião que caiu em General Carneiro, o senhor pode explicar melhor para nós essa história? Quando foi feito o monumento no Marco Cinco?

O avião pilotado pelo Capitão Kirk caiu sobre a estratégica de Palmas durante a Guerra do Contestado.  Esse avião fazia um voo de reconhecimento dos redutos de sertanejos revoltados contra a expulsão de suas terras.  Provavelmente uma tempestade provocou o acidente. No ano de 1980 presidi o Primeiro Simpósio de História Regional e para assinalar o evento,  com o apoio do Prefeito Antônio Costa, com projeto elaborado pelo Engenheiro Humberto Osório Ribas, construímos o monumento para abrigar a Cruz do Aviador. Esse acidente foi um dos primeiros no mundo com avião em operação militar. 

Observação: o aviador em seu relatório iria orientar a infantaria no ataque contra os rebelados.

O senhor sabe explicar a origem do nome Jangada?

A denominação de Rio Jangada deve-se à  expedição da qual participou o Padre Ponciano procurando os cobiçados Campos de Palmas. Depois de perderem um espingarda no Rio ao chegarem no Rio seguinte resolveram construir uma jangada para atravessá-lo. Daí os nomes de RIO ESPINGARDA e RIO JANGADA.

E o General Carneiro? Quem foi ele? Quem escolheu e por que foi escolhido este nome para nossa cidade? 

O General Carneiro  comandou a resistência da Lapa contra o cerco dos maragatos. Foi considerado  herói nacional porque os pica-paus ganharam a Guerra Federalista de 1893. Mas nunca teve qualquer relacionamento com a nossa região. Foi um militar vindo de outro estado completamente desconhecido na região.

Quem foi Pedro Araújo Neto, homenageado com o nome de nosso colégio?

Pedro Neto, como era  chamado, foi um cidadão intimamente ligado ao Município de General Carneiro. Foi um dos herdeiros da Fazenda São Bento. Foi político que conseguiu a construção de escolas, nomeação de professores e exerceu a função de  inspetor escolar. Era muito amável e visitava escolas para avaliar a qualidade do ensino. Orientou os professores e fez arguição  de  centenas de estudantes nas escolas isoladas. Tive a oportunidade de encontrá-lo andando a cavalo pelos caminhos do sertão para visitar escolas. O diálogo com ele era enriquecedor. Era natural da Palmeira e veio para os Campos de Palmas  para explorar a pecuária em Fazendas herdadas pela sua esposa dona Maria Neta, como era conhecida. Conseguiu a instalação da agência dos Correios no Horizonte, onde sua esposa era a responsável.  Construiu um hotel no Horizonte para atender os passageiros da diligência que ligava Palmas a União da Vitória.

Qual a importância de conhecermos a história de nossa cidade?

Esta última pergunta considero a mais importante de todas.  É decisivo o conhecimento da história do Município. O sentimento de pertencer à uma comunidade é o ponto de partida para o amor à pátria. O Município é a célula mater da nação.  É aqui onde vivemos que desabrocha o conceito de cidadania.. Existe um provérbio que diz: só se ama aquilo que você conhece. A história nos identifica.  Se não soubermos de onde viemos não saberemos para onde ir. A história do Município  mostra nossas origens. É berço de nossos antepassados. A pátria começa no Município.


Professor Joaquim Osório Ribas e eu (02/06/2021)