No ano de 2014, eu trabalhava no
Colégio Estadual do Campo São Francisco de Assis, no Iratim e
decidimos com uma turma do Ensino Médio, enviar a representantes
eleitos uma carta denunciando a falta de serviços públicos mínimos
nas comunidades atendidas pela escola e reivindicando ao Estado o
cumprimento de suas funções. Apesar de o documento ser enviado para
muita gente, desde deputados estaduais até a Presidência da
República, só dois deputados (Tadeu Veneri e Professor Lemos, do
PT) e uma deputada (Rosane Ferreira, do PV) se manifestaram e
buscaram encaminhar de alguma maneira aquele documento aos órgãos
competentes em busca de alguma solução. Fora isso, o que mais
chamou atenção foi que, ao responder o e-mail, o deputado Tadeu
Veneri, após falar do descaso com que a região era tratada, lembrou
que esta terra era para ser castelhana. Fiquei pensando o que ele
queria dizer com aquilo já
que não lembrava de ter estudado tal assunto. Fui
pesquisar e acabei chegando na tal Questão de Palmas.
O que foi a Questão de
Palmas?
A Questão de Palmas, foi um
contencioso, ou seja, uma disputa jurídica, entre os governos do
Brasil e da Argentina, que disputavam uma boa parte de território
hoje pertencente aos estados do Paraná e Santa Catarina. As terras
já eram ocupadas por brasileiros mas, os argentinos, sabendo
da pouca importância dada pelo Brasil a região e baseando-se em
dúvidas levantadas pela Espanha no passado colonial, diziam
que tais terras lhes pertenciam. Isso ocupou
boa parte do século XIX, no entanto o contencioso ocorreu
entre os anos de 1890 e 1895.
Qual era o território em
disputa?
O território que a Argentina
dizia pertencer a ela possuía 30621 km² com
os seguintes limites: ao norte, o Rio Iguaçu; ao sul, o Rio Uruguai;
a oeste, o Rio Santo Antônio e o Rio Pepiri-Guaçu; e a leste, os
Rio Jangada e Rio Chapecó.
Assim, caso a Argentina se saísse
vencedora no contencioso,
todas as terras do município de General Carneiro, bem
como de outros sessenta e nove municípios do Paraná e Santa
Catarina seriam
argentinas. Observe no mapa:
Por que a Argentina queria
essas terras?
Primeiramente, Argentina e Brasil
buscavam o domínio geopolítico regional. Assim, este território
sendo argentino impediria uma boa conexão entre o Rio Grande do Sul
e o restante do Brasil. Em caso de um conflito militar entre os dois
países, por exemplo, a Argentina teria vantagem estratégica para
ataque e defesa. Por outro lado, economicamente, interessava aos
argentinos os ervais nativos da região.
Assim, ao definir os limites da
Província de Las Missiones, os argentinos voltaram
ao passado colonial e as
leituras equivocadas do Tratado de Santo Ildefonso (1777)
quando as coroas espanhola e portuguesa não entraram de fato em um
acordo sobre quais rios serviam de limites territoriais. O
Brasil defendia que a fronteira era formada pelos rios Pepiri-Guaçu
e Santo Antônio enquanto que os argentinos diziam ser o Chapecó,
que eles diziam ser o Pequiri-Guazu, o Jangada, chamado por eles de
San Antonio Guazú.
Vale ressaltar também que o
governo brasileiro não via a região com grande importância
econômica, demorando para povoá-la e explorá-la. Assim, foi
mais um atrativo as
investidas argentinas.
Como o Brasil garantiu para si
o território:
Primeiramente, as pretensões
argentinas fizeram o Brasil “se espertar” com relação a
ocupação deste território, por isso as fortes investidas contra os
índios Kaingang e Xokleng na conquista dos campos de Palmas e
arredores, a criação de novas colônias de imigrantes europeus e o
desenvolvimento de um projeto de ligação de São Paulo ao Rio
Grande do Sul com a construção da estrada de ferro. Pois, ainda que
a construção tenha se dado após o acordo de limites, a necessidade
do projeto apareceu a partir contenda.
Houve tentativa de acordo no
ano de 1857, quando
foi assinado um tratado
fixando os limites como são hoje, no entanto, a Argentina acabou não
ratificando o mesmo, deixando-o sem valor. Em
1876, a questão voltou a ser discutida e aí os dois governos
trataram de investir nas intenções pelo território, o Brasil
fundando colônias militares e a Argentina criando estruturas
burocráticas, como a Gobernácion
de Misiones, em 1882 que inclui-a nela os campos de Palmas.
Em 1885, novamente brasileiros e
argentinos chegaram a um acordo onde organizariam delegações para
estudar e discutir a questão até chegarem a um consenso. Em
fevereiro de 1889, os representantes da Argentina fizeram a proposta
de dividir com o Brasil o território em disputa. O Brasil não
aceitou a proposta e, em 7 de setembro de 1889 os dois países
assinaram um Tratado de Arbitramento, onde cada país apresentaria a
sua defesa na questão e o presidente dos Estados Unidos da América
decidiria quem estava com a razão.
Com a Proclamação da República no Brasil
em 15 de novembro de 1889, a Argentina se viu em vantagens.
Reconheceu o novo governo brasileiro e, em troca teve nova resolução
para a Questão de Palmas, ou seja, representantes do Brasil
aceitaram dividir o território contestado. Isso foi feito através
do Tratado de Montevidéu, assinado em 25 de janeiro de 1890.
Para valer, o Tratado tinha de
ser aprovado pelos Congressos de ambos os países.
O Congresso brasileiro não
aceitou e voltou-se a questão do arbitramento.
Barão do Rio Branco |
Em 1893, o presidente brasileiro
Floriano Peixoto nomeou para defender o Brasil o diplomata José
Maria Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco – este que está no
verso da moeda de 50 centavos. Profundo conhecedor da história e
geografia brasileira e munido de farta documentação, Barão do Rio
Branco preparou um dossiê que convenceu o presidente
Cleveland do direito brasileiro ao território.
Barão do Rio Branco na moeda de 50 centavos |
O laudo arbitral foi lido pelo presidente Cleveland em 6 de fevereiro de 1895, na presença de brasileiros e argentinos, dando vitória à posição brasileira.
Estátua do Barão do Rio Branco em Curitiba |
Sobre o marco que tem no Jangada
Tanto os autores Cleto da Silva
em seu livro Apontamentos Históricos de Palmas e Clevelândia quanto
Joaquim Osório Ribas, em História do município de General
Carneiro, falam sobre ter existido um marco da República Argentina
na beira do Rio Jangada. No entanto, não há maiores informações
sobre isso.
Marco existente na beira do Rio Jangada (Porto União - SC) |
O marco que existe desde 1916 na
beira do Rio Jangada é o da questão de limites entre Paraná e
Santa Catarina e nada tem a ver com a Questão de Palmas.
Fontes:
Foto do primeiro mapa, http://funag.gov.br/biblioteca/download/961-obras-do-barao-vol-I-questoes-de-limites-republica-argentina.pdf acesso em 20/04/2020
Foto do segundo mapa, https://journals.openedition.org/confins/11774
acesso em 29/04/2020
Foto Barão, https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bar%C3%A3o_do_Rio_Branco_(fotografia).jpg, acesso em 01/05/2020
Foto moeda, https://www.numismataonline.com.br/moeda-50-centavos-brasil-2019-letra-a-fc/prod-7364508/ acesso em 01/05/2020
Foto estátua do Barão, http://www.geoimagens.com.br/buscar-imagens/curitiba/estatua-de-barao-do-rio-branco-pca-generoso-marques/ acesso em 01/05/2020
As Fotos do marco do Jangada são minhas.
Entrevista com Doutor Adelar Heinsfeld. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jb7m6nEThXo acesso em 28/04/2020;
RIBAS, Joaquim Osório. História do município de General Carneiro. General Carneiro: Kayngangue, 2008;
RIO BRANCO, Barão do. Obras do Barão do Rio Branco I: A Questão de Limites República Argentina. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012;
SILVA, José Júlio Cleto. Apontamentos históricos de Clevelândia e Palmas. 1630-1930. Boletim do IHGEPR, Volume XXVIII. Curitiba: IHGEPR, 1976;