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sexta-feira, 1 de maio de 2020

E General, que quase foi da Argentina! A Questão de Palmas ou de Las Misiones

No ano de 2014, eu trabalhava no Colégio Estadual do Campo São Francisco de Assis, no Iratim e decidimos com uma turma do Ensino Médio, enviar a representantes eleitos uma carta denunciando a falta de serviços públicos mínimos nas comunidades atendidas pela escola e reivindicando ao Estado o cumprimento de suas funções. Apesar de o documento ser enviado para muita gente, desde deputados estaduais até a Presidência da República, só dois deputados (Tadeu Veneri e Professor Lemos, do PT) e uma deputada (Rosane Ferreira, do PV) se manifestaram e buscaram encaminhar de alguma maneira aquele documento aos órgãos competentes em busca de alguma solução. Fora isso, o que mais chamou atenção foi que, ao responder o e-mail, o deputado Tadeu Veneri, após falar do descaso com que a região era tratada, lembrou que esta terra era para ser castelhana. Fiquei pensando o que ele queria dizer com aquilo já que não lembrava de ter estudado tal assunto. Fui pesquisar e acabei chegando na tal Questão de Palmas. 

O que foi a Questão de Palmas?
A Questão de Palmas, foi um contencioso, ou seja, uma disputa jurídica, entre os governos do Brasil e da Argentina, que disputavam uma boa parte de território hoje pertencente aos estados do Paraná e Santa Catarina. As terras já eram ocupadas por brasileiros mas, os argentinos, sabendo da pouca importância dada pelo Brasil a região e baseando-se em dúvidas levantadas pela Espanha no passado colonial, diziam que tais terras lhes pertenciam. Isso ocupou boa parte do século XIX, no entanto o contencioso ocorreu entre os anos de 1890 e 1895. 

Qual era o território em disputa?
O território que a Argentina dizia pertencer a ela possuía 30621 km² com os seguintes limites: ao norte, o Rio Iguaçu; ao sul, o Rio Uruguai; a oeste, o Rio Santo Antônio e o Rio Pepiri-Guaçu; e a leste, os Rio Jangada e Rio Chapecó.
Assim, caso a Argentina se saísse vencedora no contencioso, todas as terras do município de General Carneiro, bem como de outros sessenta e nove municípios do Paraná e Santa Catarina seriam argentinas. Observe no mapa:

Por que a Argentina queria essas terras?
Primeiramente, Argentina e Brasil buscavam o domínio geopolítico regional. Assim, este território sendo argentino impediria uma boa conexão entre o Rio Grande do Sul e o restante do Brasil. Em caso de um conflito militar entre os dois países, por exemplo, a Argentina teria vantagem estratégica para ataque e defesa. Por outro lado, economicamente, interessava aos argentinos os ervais nativos da região. 

 
Assim, ao definir os limites da Província de Las Missiones, os argentinos voltaram ao passado colonial e as leituras equivocadas do Tratado de Santo Ildefonso (1777) quando as coroas espanhola e portuguesa não entraram de fato em um acordo sobre quais rios serviam de limites territoriais. O Brasil defendia que a fronteira era formada pelos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio enquanto que os argentinos diziam ser o Chapecó, que eles diziam ser o Pequiri-Guazu, o Jangada, chamado por eles de San Antonio Guazú.
Vale ressaltar também que o governo brasileiro não via a região com grande importância econômica, demorando para povoá-la e explorá-la. Assim, foi mais um atrativo as investidas argentinas.

Como o Brasil garantiu para si o território:
Primeiramente, as pretensões argentinas fizeram o Brasil “se espertar” com relação a ocupação deste território, por isso as fortes investidas contra os índios Kaingang e Xokleng na conquista dos campos de Palmas e arredores, a criação de novas colônias de imigrantes europeus e o desenvolvimento de um projeto de ligação de São Paulo ao Rio Grande do Sul com a construção da estrada de ferro. Pois, ainda que a construção tenha se dado após o acordo de limites, a necessidade do projeto apareceu a partir contenda.
Houve tentativa de acordo no ano de 1857, quando foi assinado um tratado fixando os limites como são hoje, no entanto, a Argentina acabou não ratificando o mesmo, deixando-o sem valor. Em 1876, a questão voltou a ser discutida e aí os dois governos trataram de investir nas intenções pelo território, o Brasil fundando colônias militares e a Argentina criando estruturas burocráticas, como a Gobernácion de Misiones, em 1882 que inclui-a nela os campos de Palmas.
Em 1885, novamente brasileiros e argentinos chegaram a um acordo onde organizariam delegações para estudar e discutir a questão até chegarem a um consenso. Em fevereiro de 1889, os representantes da Argentina fizeram a proposta de dividir com o Brasil o território em disputa. O Brasil não aceitou a proposta e, em 7 de setembro de 1889 os dois países assinaram um Tratado de Arbitramento, onde cada país apresentaria a sua defesa na questão e o presidente dos Estados Unidos da América decidiria quem estava com a razão.
Com a Proclamação da República no Brasil em 15 de novembro de 1889, a Argentina se viu em vantagens. Reconheceu o novo governo brasileiro e, em troca teve nova resolução para a Questão de Palmas, ou seja, representantes do Brasil aceitaram dividir o território contestado. Isso foi feito através do Tratado de Montevidéu, assinado em 25 de janeiro de 1890.
Para valer, o Tratado tinha de ser aprovado pelos Congressos de ambos os países.
O Congresso brasileiro não aceitou e voltou-se a questão do arbitramento. 

Barão do Rio Branco
Em 1893, o presidente brasileiro Floriano Peixoto nomeou para defender o Brasil o diplomata José Maria Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco – este que está no verso da moeda de 50 centavos. Profundo conhecedor da história e geografia brasileira e munido de farta documentação, Barão do Rio Branco preparou um dossiê que convenceu o presidente Cleveland do direito brasileiro ao território. 

Barão do Rio Branco na moeda de 50 centavos

O laudo arbitral foi lido pelo presidente Cleveland em 6 de fevereiro de 1895, na presença de brasileiros e argentinos, dando vitória à posição brasileira.

Estátua do Barão do Rio Branco em Curitiba

Sobre o marco que tem no Jangada
Tanto os autores Cleto da Silva em seu livro Apontamentos Históricos de Palmas e Clevelândia quanto Joaquim Osório Ribas, em História do município de General Carneiro, falam sobre ter existido um marco da República Argentina na beira do Rio Jangada. No entanto, não há maiores informações sobre isso.

Marco existente na beira do Rio Jangada (Porto União - SC)

O marco que existe desde 1916 na beira do Rio Jangada é o da questão de limites entre Paraná e Santa Catarina e nada tem a ver com a Questão de Palmas. 


 

Fontes:
Foto do primeiro mapa, http://funag.gov.br/biblioteca/download/961-obras-do-barao-vol-I-questoes-de-limites-republica-argentina.pdf acesso em 20/04/2020
Foto do segundo mapa, https://journals.openedition.org/confins/11774 acesso em 29/04/2020
Foto Barão, https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bar%C3%A3o_do_Rio_Branco_(fotografia).jpg, acesso em 01/05/2020 
Foto moeda, https://www.numismataonline.com.br/moeda-50-centavos-brasil-2019-letra-a-fc/prod-7364508/ acesso em 01/05/2020 
Foto estátua do Barão, http://www.geoimagens.com.br/buscar-imagens/curitiba/estatua-de-barao-do-rio-branco-pca-generoso-marques/ acesso em 01/05/2020
As Fotos do marco do Jangada são minhas.

Entrevista com Doutor Adelar Heinsfeld. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jb7m6nEThXo acesso em 28/04/2020;

RIBAS, Joaquim Osório. História do município de General Carneiro. General Carneiro: Kayngangue, 2008;
RIO BRANCO, Barão do. Obras do Barão do Rio Branco I: A Questão de Limites República Argentina. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012;
SILVA, José Júlio Cleto. Apontamentos históricos de Clevelândia e Palmas. 1630-1930. Boletim do IHGEPR, Volume XXVIII. Curitiba: IHGEPR, 1976;